17 maio, 2006

Dia 16 de maio de 2006 acordei mais cedo para arrumar minhas gavetas. Há algum tempo tenho desejo de fazer uma faxina, mas hoje o desejo é necessidade. Algumas pessoas têm facilidade para fazer arrumações, querem arrumar mesmo quando não se precisa. Eu confesso, tenho alguma dificuldade, por isso não dormi bem na noite anterior, a verdade é :não durmo bem. O dia amanheceu com um lindo sol e poucas nuvens. Costumo considerar as pequenas coisas do cotidiano como presságios. Dia de sol, hoje, só pode ser bom sinal, assim, levantei, dei bom dia e fui ao trabalho. Percebi ao tentar abrir a primeira gaveta que alguma coisa emperrava, fiz força. Abri uma pequena fresta, mas que, pela claridade do dia, logo foram descobertas as primeiras peças. Gaveta cheia, pesada. Consegui ver que guardo muitas coisas. Não deu para ver tudo, mas sei que ela está cheia. Muitos presentes, muitas lembranças, muito de mim, do outro. Tenho por hábito colecionar coisas. Desde pequeno. Colecionei bolas de gude, carrinhos, canetas, figurinhas, fósforos, coisas sem grande utilidade, mas de alguma forma importantes. Minha mãe também guardava coisas. Acho que aprendi com ela. Lembro de um vestido pequeno, o primeiro da minha irmã. Quando ela teve seu primeiro filho, uma menina, o vestidinho ainda existia, mas ela não quis levá-lo. Ela também guardou nossas identificações da maternidade. Azul para os meninos, rosa para a menina. A minha está bastante desbotada. Guardar coisas pode ser perigoso. Se não tiver cuidado podem mofar, criar fungos, fazer mal. Tenho alergia, quando criança tinha bronquite. Minha mãe tinha alergia e morreu de uma causa imprecisa, estranha. Talvez tenha sido alergia de alma. Ouvi dizer que quando acontece, se não for tratada rápido, pode levar a morte. O problema é que o diagnóstico é difícil, a pessoa precisa falar. Minha mãe era calada. Sozinha.
Não forcei mais que uma fresta, não quero jogar tudo no chão e causar mais confusão. Quero ir devagar. Uma amiga que tem arrumado suas gavetas me sugeriu que eu contratasse ajuda. Foi o que fiz. Ela é calada, mas talvez me ajude a diferenciar o que preciso daquilo que não preciso mais. Não quero mais ter alergia, nem no nariz nem na alma. Vou primeiro tentar ver, depois saber. Vou lá, continuar. Ainda tem uma gaveta para desemperrar, uma alma para sarar e uma vida para saber.

Houve uma turbulência, o que fez com que seus pensamentos se dissipassem para outras imagens. Desde que saiu da sua casa não conseguiu fixar em nenhum ponto. Seus pensamentos ganhavam vida mesmo que um pouco dela estivesse morrendo a cada segundo. Em poucos dias faria aniversário e ao contrário de uma festa ou de uma viagem, como era costume naqueles dias, ela iria encontrar a dor. Não percebia nesse momento que seu futuro estava selado. Para sempre perdido, até o dia de hoje. Alguns anos se passaram e as lembranças daquela época ainda estão guardadas na memória. Hoje com menos sofrimento, mas ainda assim, pungentes. Mas a história é outra. Naquele dia ela perdeu mais que seu quarto ou outros objetos. Na realidade ela se despediu daquilo que poderia ter sido sua vida. Ela é uma mulher forte, íntegra, inteligente, por vezes dura, mas acima de tudo bela. Passa os dias a contar os dias, [re] lê histórias, faz estórias, cria mundos e assim se despede lentamente do seu futuro. Ontem, quando nos despedimos na saída do cinema, percebi um outro olhar, a tristeza não estava lá. No lugar dela fez-se um silêncio quase como um grito. Percebi que ela está desistindo e que, a cada dia há menos dias.
Tento, inutilmente, fazê-la feliz. Tento lhe emprestar sorrisos, sonhos, mas ela caminha sobre nuvens. Sua religião é ele, e a mesma não a levará para o céu. Ela sabe. Está condenada a vagar por entre mundos a procura de dormitórios. Não poderá nunca mais dormir, assim não conseguirá sonhar. Sem os sonhos estará mais uma vez no irremediável abismo que separa corpos, mundos, universos. Não consegue perceber que sempre foi assim. Sempre esteve separada, principalmente dele. Ele nunca esteve lá. Não ouviu quando ela pediu amor e nem quando reivindicou presença. Ele não escuta outro som que não o da sua própria dor. Dois amantes, separados por uma dor. Dele, agora dela. Algumas vezes ele se faz presença, anuncia música, amanhece a lua, perfuma caminhos, ilumina o sol. Nesses dias ela recua, desaparece, para depois retornar menos ela, menos dela. Por enquanto os dias se seguem assim. Ainda hoje me lembrei deles juntos. Por um rápido momento os vi num sonho real. Ela estava feliz. Nessa época eu ainda era um coadjuvante, não participava de todas as cenas, mas por algum milagre estava lá. Vi quando ele a abraçou, beijou. Ela está correta. Ele a ama, mas o seu corpo inteiro precisa saber. Naquele dia ele sabia e por isso ele era forte. Hoje a dor ocupou lacunas, barreiras quase intransponíveis, ele se tornou novamente só e assim impede que ela se aproxime, na realidade ele a evita. Sabe que ela pode curá-lo, o amor dela pode. Ele tem medo, ela também. Hoje sonhei que eles estavam juntos. Não vi crianças, mas a vi lendo em baixo de um salgueiro enquanto ele corria com um cachorro. De repente ele a toma nos braços e os dois dançam. Seus corpos são leves. Ela é música, ele instrumento. Nos meus sonhos ela é feliz, ele também. Eu também. Vou dormir. Quero continuar sonhando, assim posso vê-la de novo sorrir.

16 maio, 2006


"Encostei-me a ti sabendo bem que eras somente onda. Sabendo bem que eras somente nuvem, depus a minha vida em ti. Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil, fiquei sem poder chorar, quando caí". Cecília Meireles
Ela dança como quem voa, ele pensou, e imediatamente estava a cercá-la. Primeiro com o olhar. Permaneceu assim durante vários minutos, seus olhos acompanhando os movimentos suaves, delicados, mas não sem algum tipo de força , de marca. Ela deslizava por entre o salão e ninguém a podia, nem mesmo aquele estranho. Seus olhos marcavam espaços, faziam estradas, construíam caminhos. De repente ela estava lá, tão perto que o perfume podia ser sentido por ele. Jasmim, ele pensou mais uma vez, só poderia ser. O perfume do jasmim se contradiz com o tamanho da flor, ele é maior, assim como ela, maior do que aquele lugar, do que aquelas pessoas, do que ele. O olhar se tornou insuficiente, agora era o olfato que tentava obtê-la. Minutos depois concluiu que todos os seus sentidos perceberam-na. Ela estava nele, quase completamente. Nenhuma parte, por menor que fosse, pôde ser esquecida. Naquele momento ele passou a ser dela. Dali por diante, tudo que fizesse, para onde fosse , ela estaria lá.
"Licença", e assim ele a ouviu pela primeira vez. Para sempre se lembraria daquela voz. Era como no sonho de minutos atrás, era palpável como o veludo. Voz doce, como aquelas que elevam, que subtraem. Posso me sentar foi a segunda frase e assim os dois se encontraram, se conheceram. Horas mais tarde ela também era dele. Todos os segundos passaram como se fossem eternos, únicos. Não existiam limites, não havia o fora e assim ele se perdeu. Naquele dia fizeram poesia, poema, canções.Contaram e cantaram suas vidas, sorriram e ela chorou nele. Ele acolheu sua dor, beijou e a amou muitas vezes. Viu-se como nunca antes o tinha. Quando menino pensava não ser possível o amor, pessoas ferem quando amam, e assim nunca tinha se dado, compartilhado. Guardou uma lágrima, calou sua infância. Ao amanhecer, pela primeira vez ele percebeu o que havia se passado. Viu que ela se vestia, era mais bonita assim, com a luz da manhã, sem a sombra da maquiagem que todos nós usamos quando queremos conhecer alguém ou quando queremos desaparecer de nós. Seu cabelo estava molhado, o que indicava que ele havia dormido e, com isso, perdido mais tempo, mais do tempo, menos um pouco de si. Ela deu um sorriso, disse algumas palavras que ele não se lembra mais. Ele tentou prendê-la por mais alguns minutos, imediatamente se lembrou de como a tinha visto pela primeira vez. Ela dançava como quem voava. Descobriu que não podia. Ela era livre, ele, para sempre, estava preso. Ele nunca soube mais daquela noite. Vez por outra, quando ouvia um poema, POEMA, se lembrava, sem saber, de uma coisa boa. Um sorriso aparecia nos lábios e ele ficava bem. Um dia ela apareceu e mais uma vez ele soube. Nunca esteve tão só como naquele momento.
"Ele reza toda noite para encontrar outra mulher. Constatou que não adianta rezar contra ela. Ela é sua religião". Fabrício Carpinejar

05 maio, 2006

Estamos com cara de quem vai perder o controle da situação? Vamos, fala aí...Acha mesmo que o que vem de encontro não incomoda? E quem está do outro lado da rua, pode ou não me machucar?E aí, quem responde? Olha bem nos meus olhos!Vamos sacudir, quebrar tudo...Não fica, se eu disser que não fica, não fica!!!E assim, vamos tirando as pedras com as mãos...Saindo da raia dos loucos...Tá, é isso aí, revolução combinada, bandeira hasteada, mas resta mesmo saber exatamente o que queremos...Mas quando soubermos, rs, rs, rs, daí não teremos mais que aturar os que não suportamos, nem lembrar das pedras que chutamos, vivendo a ânsia do que provoca a impotência...Hum... Acho que vou recolher a ideologia, guardar a bandeira, e tentar concluir minhas leituras, tenho que entregá-las na sexta, é meu dia de apresentar seminário...Valeu!!
Marco Antônio

03 maio, 2006

"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro...há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu...Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma".
Clarice L.

02 maio, 2006

Aquela outra cena me mostra que poderia ser sempre diferente, então sou invadido de novo por esta vida, minha, ou quase, e tudo de novo desaparece. Faço força para voltar e sei que não se chega onde nunca se esteve antes, simplesmente porque lá não existe. Não quero cenas, imagens. Quero dar conta do compromisso feito com os comigos de mim.

01 maio, 2006

Domingo de céu estrelado com amigos e ótimas histórias para contar.